Congresso aprovou legislação proposta pelo BC no início de dezembro; texto ainda será regulamentado. Novas regras devem entrar em vigor em até um ano.
Por Alexandro Martello, g1 — Brasília
30/12/2021 13h01 Atualizado há uma semana
Aprovada no início de dezembro e sancionada nesta quinta-feira (30), a nova lei cambial deve reduzir os custos na compra e na venda de dólares, proporcionar maior segurança jurídica e aumentar a conversibilidade do real – ou seja, a facilidade em realizar transações com o resto do mundo.
Segundo analistas ouvidos pelo g1, no entanto, é preciso cautela para evitar que as novas regras resultem no aumento de fraudes ou, ainda, na “dolarização” da economia brasileira.
ENTENDA A NOVA LEI CAMBIAL
O texto foi aprovado no início de dezembro pelo Senado Federal e, agora, sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro. Caberá ao Conselho Monetário Nacional (CMN) e ao Banco Central a definição de regulamentos específicos e dos prazos de adaptação para o mercado. As novas regras podem levar até um ano para entrar em vigor.
Entre as mudanças, a lei permitirá:
- limite maior para os viajantes levarem moeda estrangeira em viagens internacionais, a declaração de moeda em espécie será obrigatória a partir de US$ 10 mil – o limite anterior era R$ 10 mil;
- negociação de moeda entre brasileiros observado o limite de US$ 500;
- abertura de contas em moeda estrangeira para novos setores país (CMN e BC definirão regras);
- início das discussões sobre o PIX internacional e transações pelo futuro real digital.
De acordo com o Banco Central, a nova legislação se baseia na “livre movimentação” de capitais e na realização das operações no mercado de câmbio de forma menos burocrática.
A instituição argumenta que a atual legislação cambial começou a ser estruturada em 1920, em um contexto de escassez de moeda estrangeira, e que não é mais consistente com uma economia globalizada.
Segurança jurídica e custos menores
De acordo com o responsável jurídico da Associação Brasileira de Câmbio (Abracam), Fernando Borges, a nova lei corrige a defasagem de uma legislação que já tem mais de 100 anos.
Essa correção deve gerar mais segurança jurídica e pode resultar em uma valorização do real (ou desvalorização menor) por conta da queda dos custos das transações de compra e venda de moeda estrangeira.
“O Brasil encontrava-se muito defasado frente aos demais países. [A nova regra] possibilita que uma empresa, sediada no exterior, tenha um melhor conhecimento da lei do Brasil. A gente recebe questionamentos aqui sobre o ordenamento jurídico, que tem mais de 100 anos. Isso acaba dificultando a análise de investidores estrangeiros. A aprovação do projeto de lei facilita o aporte de investimentos [estrangeiros]”, declarou.
O BC informou que a nova lei consolidará o texto mais de 400 artigos dispersos e revogando vários dispositivos antigos, considerados obsoletos. A nova norma contém 30 artigos. A instituição avalia ainda que as regras atuais “trazem comandos dispersos e, eventualmente, conflitantes”.
O representante da Abracam manifestou preocupação, porém, com a regra que possibilita a compra e venda de até US$ 500 por pessoas físicas, recursos que seriam sobra de viagens internacionais. Para Borges, essa mudança pode facilitar fraudes.
O economista recomendou que as pessoas tenham cuidado com quem realizam esse tipo de transação.
“Existe uma preocupação com a informalidade. A gente convive com muitos golpes, muitas fraudes. É um alerta para que tenham atenção nas transações. A preocupação é com a circulação de notas falsas, provenientes de lavagem de dinheiro. Isso pode acabar sendo prejudicial à população”, avaliou.
Para William Baghdassarian, economista do Ibmec Brasília, o BC já vem há algum tempo vem tentando modernizar e legislação cambial brasileira, mas o tema, polêmico, tinha dificuldades para avançar no parlamento. “Dessa vez, o Congresso comprou a briga”, disse.
Segundo ele, a nova lei vai facilitar a abertura da economia brasileira nas exportações e nas compras de produtos do exterior, aumentando a concorrência das empresas brasileiras e contribuindo, por outro lado, com o combate à inflação (com a maior competição proporcionada pelo aumento de importados). O Ministério da Economia também tem atuado para reduzir as tarifas.
Contas em dólar
O ponto mais polêmico da proposta é o que transfere, do Conselho Monetário Nacional para o Banco Central, a competência para autorizar novos setores da economia a terem conta em moeda estrangeira no país. Analistas apontam o risco de dolarização da economia brasileira.
Atualmente, as contas em dólares estão disponíveis somente para segmentos específicos, como agentes autorizados a operar em câmbio, emissores de cartões de crédito de uso internacional, sociedades seguradoras e prestadores de serviços turísticos.
William Baghdassarian, do Ibmec Brasília, diz não ver risco de dolarização da economia “a não ser que o BC perca de vez o controle da inflação”.
“Dolarização ocorre se eu deixar de acreditar na moeda nacional”, disse.
Atualmente, acrescentou ele, é possível sacar recursos em moeda estrangeira em caixas eletrônicos de aeroportos, por exemplo. O analista diz que o principal problema da economia, no momento, é fiscal (contas públicas) e não cambial. Ele lembrou ainda que o país possui mais de US$ 360 bilhões em reservas internacionais.
Para Paulo Nogueira Batista, ex-diretor-executivo no Fundo Monetário Internacional (FMI) para o Brasil, porém, a flexibilização da abertura de contas em dólar no Brasil seria “fria monumental”.
O professor do Instituto de Economia da Unicamp Pedro Rossi diz que a nova regra confere Banco Central “carta branca” para conduzir o processo de abertura de contas em dólar no país.
“Quanto mais rápido for, mais é perigoso. É necessário cautela na abertura financeira”, opinou.
Ele observou que, em momentos de incerteza, os mercados fogem em direção às aplicações mais sólidas, como em moeda estrangeira e títulos do governo norte-americano. Com a possibilidade de uma ampliação das contas em dólar no país, Rossi avalia que as pessoas físicas também poderão ampliar esse movimento.
“Tem que considerar que, se todo mundo puder entrar no aplicativo de um banco e mudar recursos em reais para o dólar a moeda brasileira se desvaloriza uma enormidade, com consequências na inflação, no financiamento da política fiscal. E o Brasil volta a se endividar em moeda estrangeira, assim como aconteceu na Argentina”, concluiu.
No ano passado, quando o projeto foi divulgado, o diretor de Regulação do Banco Central, Otavio Damaso, lembrou que alguns segmentos, como empresas do setor de petróleo e embaixadas de outros países, já podem ter contas em dólar no Brasil.
Ele acrescentou, na ocasião, que o projeto autoriza essa ampliação para outros segmentos “dentro de um processo de médio e longo prazos, natural dentro da conversibilidade do real, um dos objetivos do projeto”.
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